11/02/2015 | Por Fabio Joaquim | Blog
RIO — Se a internet é um espelho da sociedade, está difícil encarar nossa própria imagem de frente. O número de denúncias de racismo e preconceito de origem — sobretudo contra nordestinos e nortistas — disparou no ano passado, segundo relatório da ONG SaferNet divulgado nesta terça-feira, Dia da Internet Segura. Mais de 86,5 mil casos de ódio a negros e outras etnias foram relatados em 17.291 sites, aumento de 34,15% em relação a 2013. Mas foi o cômputo de menções ofensivas a pessoas do Nordeste que viveu uma explosão: 365,46% de crescimento, com 9.921 casos em 6.275 endereços. As páginas denunciadas por todos os tipos de crime somaram 58,717, ou 8,29% mais do que no ano anterior. Delas, algo mais que 7 mil foi retirado do ar.
As eleições presidenciais e a Copa do Mundo tiveram forte influência nos números, segundo a ONG. O pleito presidencial, do qual saiu vencedora Dilma Rousseff, com expressiva votação Nordeste, teve recorde de preconceito de origem. Já o Mundial de futebol se destacou pelo total de denúncias de tráfico de pessoas, outro dos crimes monitorados. Em 2014, 1.821 sites foram associados à questão, crescimento de 192,93% em relação a 2013.
— No dia após as eleições, processamos 10.376 casos de preconceito de origem, a maioria contra pessoas do Norte e do Nordeste — afirma Thiago Tavares, presidente da SaferNet. — Antes, durante a Copa do Mundo, registramos muitos casos de páginas de aliciamento de mulheres, inclusive adolescentes, para a prostituição nas cidades que sediaram o evento.
Para além dos picos relacionados ao evento, o que a explosão no número de denúncias evidencia é o preconceito social e racial profundamente arraigado entre os brasileiros, avaliam especialistas no problema.
— O fenômeno das redes sociais jogou luz sobre um comportamento que sempre existiu no Brasil — analisa Diana Calazans Mann, chefe da unidade de Repressão aos Crimes de Ódio e Pornografia Infantil da Polícia Federal. — Nossa cultura é de violência, de discriminação. Antes da internet era mais fácil ocultar o racismo, mas a rede ecoa essa faceta da nossa sociedade. Os internautas precisam entender que a liberdade de expressão tem limites, e um deles é a lei que define os crimes de preconceito.
ATAQUES À MISS CEARENSE
O preconceito contra nordestinos não se restringiu à corrida eleitoral. Fato marcante no ano que passou foi a enxurrada de ataques à Miss Brasil, Melissa Gurgel, natural do Ceará. Após sua vitória, internautas encheram as redes sociais com mensagens discriminatórias. “Miss Ceará é bonita até abrir a boca e vir aquele sotaquezinho sofrível”, escreveu usuário do Twitter, um entre milhares que a ofenderam na época.
O cenário preocupante leva a SaferNet e a Polícia Federal a bolar estratégias para monitorar a rede. Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, haverá uma coordenação especial para coibir crimes cibernéticos, sobretudo associados a tráfico de pessoas e xenofobia.
— O fenômeno é extremamente negativo, mas o fato de as denúncias terem aumentado mostra que o cidadão está atento — diz Rodrigo Nejm, diretor de Educação da SaferNet. — No caso do tráfico de pessoas, o problema é que existem aliciadores que enganam as vítimas, ocultando a prostituição.
A pornografia infantil continua liderando, pelo nono ano consecutivo, o ranking por número de páginas denunciadas. Em 2014, foram 51.553 comunicações de crime, em 22.789 endereços na internet, dos quais 3.283 foram removidos. Apesar disso, o resultado é comemorado, pois houve uma queda de 8,82% em relação ao ano anterior.
CASOS DE ‘SEXTING’ DOBRAM
Por outro lado, entre os 1.225 pedidos de orientação psicológica que chegaram à SaferNet, 222 eram relacionados ao vazamento de fotos íntimas. O aumento desse tipo de ocorrência foi de 119,8%. As vítimas do chamado sexting são, em sua maioria, do sexo feminino (81%) e com até 25 anos (53%), sendo que um em cada quatro casos envolveu menores. Os casos de cyberbullying foram 177, a maioria com pedidos de ajuda para lidar com situações de humilhações repetitivas pelas redes sociais.
No ano passado, os aplicativos de troca de mensagens anônimas, como o Secret, viraram febre no país. Após inúmeros casos de bullying e vazamento de fotos íntimas de menores, eles chegaram a ser proibidos pela Justiça.
Aliás, o aumento no volume de denúncias foi acompanhado pelo incremento nas ações de repressão pelo governo. Diana explica que a principal mudança foi a unificação das unidades de crimes contra os direitos humanos e de crimes cibernéticos, que trouxe ferramentas mais sofisticadas para as investigações.
Dessa forma, a Polícia Federal lançou no ano passado, pela primeira vez, uma operação contra a pedofilia na chamada web profunda, que resultou na prisão de 54 pessoas.
Hoje, a PF tem cerca de 2.780 inquéritos abertos relacionados aos crimes cibernéticos. O objetivo, explica Diana, é que os internautas comecem a perceber que há punição em tais situações. O aparente anonimato não existe, nem mesmo na web profunda. Ano passado, 126 pessoas foram presas em flagrante, contra apenas 47 em 2012.
— O nosso foco é o uso de ferramentas de inteligência. Os criminosos se sofisticam, mas nós também. Estamos conseguindo pegar o criminoso no momento em que o delito é cometido, o que facilita a fase processual para a condenação — diz Diana.
Fonte: O Globo
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